“A arte de cobrar pela arte” – por Maurício de Souza

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Não foram poucas as vezes que vi discussões acirradas sobre tabelas de preços para arte, ilustração, design e porque não dizer, publicidade. Cada um faz o seu preço, mas as tabelas não ajudam o mercado porque nivelam os valores e dificultam as negociações. Mas quem tem talento não precisa ter medo. Em vez de ver apenas tabelas, poderíamos aprender com o artigo abaixo do Maurício de Sousa, que este é um assunto para a vida e não só pensar na tabela que facilita o primeiro passo mas quase mata o caminho futuro. Não é questão de encontrar o preço certo, é questão de construir uma carreira sólida e sustentável em um mercado que não vai te ajudar.

Crônica 31 – “A arte de cobrar pela arte”



Artista não sabe cobrar.

E para piorar, geralmente, tem vergonha de cobrar pelas suas obras.

Talvez porque sinta, ache, pense que o que brotou da sua sensibilidade, da sua inspiração, tem algo de divino. Que ele, artista, recebeu de graça, como uma graça.

Como “sujar”, com um valor material, monetário, uma manifestação do espírito?

Não sei bem se é por aí, mas quando comecei a desenhar, ainda nos tempos do ginásio, em Mogi, também me encolhia todo na hora de responder a um simples: “Quanto custa?” ou “Quanto vai custar?”

Quando conseguia ter coragem para murmurar algum preço, no final das contas, não recebia nem para as tintas.

Até que conheci meu mestre na arte de valorizar, cobrar e principalmente receber por um trabalho.

Seu nome era Bruno Castiglionni, italianíssimo, pintor, corretor de anúncios na Rádio Marabá e grande amigo de meu pai.

Eu assistia a longas discussões “filosóficas” e políticas entre os dois. E me maravilhava.

Mas o que me tirava a respiração era a técnica de pintura que Bruno utilizava para pintar seus quadros. Montava três ou quatro cavaletes com telas em branco e, numa velocidade incrível, como que tomado por uma entidade sobrenatural, pincelava cores e formas. Geralmente, cenários dos campos de sua infância, na Itália.

Em minutos, terminava, assinava e pegava o carro para ir entregar os quadros.

Voltava, logo depois, com o bolso cheio e os quadros vendidos.

Por esse tempo, Bruno me chamou para auxiliá-lo na montagem de exposições que ele armava em grandes salões da cidade. Planejava e montava stands para fábricas e lojas de Mogi. Eu faria os cartazes nesses stands.

Os expositores eram avisados de que o stand custaria “X”. Mas os cartazes deveriam ser pagos à parte, para mim.

Bruno ditava os preços, maiores do que eu teria coragem de cobrar. E os clientes pagavam sem pestanejar.

Em seguida, Bruno me introduziu na rádio como locutor. No seu programa ele falava em italiano e eu recitava os comerciais em português.

Minha voz mal tinha engrossado de todo. Mas eu me esforçava para não fazer feio.

E mais uma vez, Bruno conseguia que eu ganhasse alguma coisa. Agora, como locutor.

E me dizia o tempo todo: “Sempre cobre muito bem pelo seu trabalho. Para que possa fazer o melhor. E continuar fazendo!”

Depois disso, fiz diplomas com letras góticas, cartazes para aulas de normalistas, ilustrações para catálogos. E milhares de histórias em quadrinhos.

Dominei a timidez e me profissionalizei. Até para cobrar.

E já faço isso há mais de 40 anos.

O Bruno tinha razão.


09.10.1996

Não encontrei o link original, então vai o link do Web Archive, lá você acha muita coisa que já desapareceu da internet: http://web.archive.org/web/20080321084237/http://www.monica.com.br/mauricio/cronicas/cron031.htm

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